Um terço de todos os resíduos urbanos gerados na América Latina e no Caribe ainda acaba em lixões ou no meio ambiente, uma prática que contamina o solo, a água e o ar da região e afeta a saúde de seus habitantes. O alerta é de um relatório da ONU Meio Ambiente, publicado hoje (9) em Buenos Aires, durante o XXI Fórum regional de Ministros do Meio Ambiente. O evento teve início nesta terça-feira e segue até 12 de outubro na capital argentina.
Todos os dias, 145 mil toneladas de lixo são descartadas de maneira incorreta — a quantidade equivale ao que é gerado por 27% da população latino-americana e caribenha ou 170 milhões de pessoas. Os números foram divulgados na pesquisa Perspectiva sobre a Gestão de Resíduos na América Latina e no Caribe.
A análise da ONU Meio Ambiente estimula os países a fechar os lixões. Segundo a agência internacional, esses locais apresentam alto risco para a saúde das pessoas que moram no seu entorno, bem como para quem coleta materiais recicláveis descartados. As áreas também são uma fonte de emissão de gases do efeito estufa, afetam negativamente o turismo e a agricultura e ameaçam a biodiversidade.
As nações da América Latina e Caribe avançaram na coleta de resíduos, que já cobre cerca de 90% da população. Porém, diariamente, 35 mil toneladas de lixo não são coletadas, um problema que afeta especialmente as áreas pobres e comunidades rurais, com impactos na vida de mais de 40 milhões de pessoas.
A região enfrenta ainda o desafio de chegar a uma economia circular: apenas 10% dos resíduos são reaproveitados por meio da reciclagem ou de outras técnicas de recuperação de materiais, segundo o relatório.
“Os países da América Latina e do Caribe devem dar prioridade política máxima para a gestão adequada dos resíduos. Isso é uma forma de reforçar a ação climática e de proteger a saúde de seus habitantes”, afirmou o diretor regional da ONU Meio Ambiente, Leo Heileman.
A pesquisa do organismo mostra que a geração de resíduos na região cresce continuamente e irá aumentar em pelo menos 25% até 2050. Entre as causas desse fenômeno estão tendências verificadas em outras partes do mundo — o crescimento populacional; a urbanização; o crescimento econômico; a saída de uma quantidade significativa de pessoas da pobreza para uma classe média emergente; e padrões claramente insustentáveis de produção e consumo. Atualmente, 80% dos habitantes da América Latina e Caribe vivem em cidades.
Segundo o documento da ONU Meio Ambiente, melhorar a gestão do lixo é uma medida fundamental para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), acordados pelos líderes mundiais em 2015.
“Uma verdadeira agenda de desenvolvimento sustentável deve incluir a gestão adequada de resíduos. Os benefícios ambientais, sociais e econômicos associados a este setor são substanciais e vão desde a redução de gases de efeito estufa e economia de matérias-primas até a melhoria da matriz energética dos países, criação de empregos e aumento do investimento”, acrescentou Heileman.
Ainda de acordo com o estudo, uma fonte de poluição que precisa de atenção especial e urgente é a de resíduos perigosos, que inclui dispositivos eletrônicos, resíduos hospitalares ou associados à construção. Frequentemente, esse tipo de lixo não é nem mesmo inventariado e caracterizado, embora alguns países tenham conquistado avanços legislativos na área.
A publicação detalha oportunidades de melhoria para a região, como a gestão especial de resíduos orgânicos ou a aplicação de princípios da economia circular.
Os resíduos orgânicos representam, em média, 50% do lixo gerado pelos países latino-americanos e caribenhos. A falta de tratamento específico para esses resíduos leva à liberação injustificada de gases do efeito estufa na atmosfera, como o metano, e à produção de chorume. O problema também diminui a qualidade de materiais recicláveis que estão no lixo. O relatório das Nações Unidas recomenda promover a separação dos resíduos orgânicos na fonte e incentivar seu uso por meio de práticas sustentáveis, como a compostagem.
A pesquisa aponta ainda que cerca de 90% dos resíduos coletados são destinados a locais de descarte, sejam aterros ou lixões, ou seja, não são reaproveitados nem reciclados. A ONU Meio Ambiente pede que a região abandone esse esquema insustentável. O organismo defende que os resíduos sejam tratados como recursos valiosos — segundo a agência, com o design, é possível desenvolver produtos que permitem a reutilização do lixo após um primeiro uso do material descartado.
O lixo pode, assim, tornar-se matéria-prima secundária ou fonte alternativa de energia para substituir os combustíveis fósseis.
O relatório também alerta para a fragilidade institucional da gestão do lixo em nível regional. Isso se deve parcialmente à sobreposição de normas, que concedem competências concorrentes a diferentes áreas do mesmo governo. É importante que as leis e políticas estabeleçam estruturas comuns, promovam o investimento público e privado, a educação e a participação do cidadão, além de incluir indicadores de gestão.
Segundo o documento, países devem considerar como prioridade a formalização e profissionalização dos trabalhadores que lidam com a coleta e reciclagem de resíduos. Embora essa mão de obra tenha sido integrada em várias nações ao serviço público de saneamento urbano, a falta de reconhecimento formal é uma constante na maioria dos países da América Latina e do Caribe.
Para orientar governos em suas políticas de gestão, a publicação lembra experiências bem-sucedidas na região, como um programa no México que promove a reciclagem de telefones celulares; a coleta seletiva no município de Alvarado, na Costa Rica; a proibição de sacolas plásticas em Antígua e Barbuda; e o sistema de troca de lixo reciclável por alimentos, desenvolvido em Curitiba, no Brasil, há mais de duas décadas.
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